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‘Coach’ de crossfit e família ligada à ditadura: os laços de Samir Xaud em Roraima

Samir Xaud vai ser eleito, neste domingo, presidente da Confederação Brasileira de Futebol – Foto: Divulgação/CBF

O médico Samir de Araujo Xaud, de 41 anos vai ser eleito, neste domingo (25), presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), entidade que comanda a Seleção Brasileira. Na tarde de quinta (22), uma rádio de Roraima falava do suposto acordo do americano John Textor com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes para que o Botafogo apoiasse Xaud. Já um telejornal local, destacou os aspectos mais conhecidos da biografia do médico.

Desde domingo (18), quando ficou claro que Samir deveria ser o único candidato à presidência da CBF, pessoas próximas a ele têm sido procuradas por interessados em cargos na CBF.

“Um cara veio aqui dizendo que tinha conversado com Samir. Disse que queria a vaga da representação da CBF em Brasília. Eu nem sabia que esse cargo existia. Quando fui ver, ele só tinha mandado mensagem, Samir nem respondeu. Aí inventou que tinha falado com a mãe dele, e por aí vai”, conta o advogado Mike Arouche, 42, que é sócio de Samir numa academia e num centro de treinamento de crossfit.

Nascido em 25 de fevereiro de 1984, Samir Xaud cresceu num bairro de classe média na parte norte de Boa Vista, o São Francisco, onde seus pais vivem até hoje. É o caçula de quatro irmãos. Antes, vieram Sanderson (hoje com 52 anos), Samara (48) e Sandrea (47).

Na adolescência, no fim dos anos 1990, Samir jogou futebol em times locais. Era goleiro. Em 1998, ganhou o campeonato sub-15 local com o “Game Mania”, um time montado por uma loja de videogames que existia então no bairro Mecejana.

“Ele sempre foi alto, era um bom goleiro. Agarrou dois pênaltis na final”, conta Cláudio Germano Silva Lima, de 41 anos, o Cacau, que é diretor do Monte Roraima Futebol Clube. Cacau jogou com Xaud no Game Mania.

Também é dessa época o relacionamento de Xaud com a mulher, Natália, com quem ele tem três filhos. Depois do Game Mania, Xaud jogou como goleiro por algum tempo no Atlético Roraima, mas interrompeu a carreira para estudar – ele é médico infectologista, mas mantém uma clínica de medicina do esporte. Para além do futebol, se interessa por outras modalidades: é faixa preta de Jiu-Jitsu, que pratica desde os anos 1990, e gosta de correr de kart.

O pai de Samir chama-se José Gama Xaud, mas é conhecido em Boa Vista como Zeca Xaud. Tem 80 anos e comanda a Federação Roraimense de Futebol, a FRF, há 42, desde 1983 – a entidade foi criada em 1974. É o presidente de federação mais longevo do país. Além da atividade de cartola, é contador de formação e servidor aposentado da Prefeitura de Boa Vista.

Em 2023, Zeca conquistou o 14º mandato consecutivo à frente da FRF – na ocasião, teve de enfrentar uma disputa contra Oziel Araújo Neto, atual presidente do Baré Esporte Clube, um dos principais do Estado, e Ataniel Borges, então diretor do Real Roraima. Mas a disputa pelo comando da Federação Roraimense é um evento relativamente raro: nos 15 anos anteriores, Zeca Xaud foi reconduzido ao cargo por aclamação, sem disputa.

“Nessa eleição, a turma de Oziel veio com umas propostas inovadoras. Acho que foi ali que Samir percebeu que, se ele não interviesse, o pai ia acabar perdendo o controle [da FRF]”, avalia Cacau.

Entre as propostas registradas pela chapa, estavam o fim da reeleição para o comando da entidade; a criação de um site e a adoção de um número de telefone fixo para atendimento, que não existem até hoje; e ainda dar alguma transparência às contas da federação.

Por causa da idade, Zeca já não circula tanto pela cidade, mas ainda assiste aos jogos das categorias de base do futebol local. “Ele põe a cadeirinha dele na beira de campo e assiste. Dá um toque em um e outro”, diz Denner Andrew Pinheiro dos Santos, 39, presidente do Atlético Roraima.

É a mãe de Samir, Ilma de Araujo Xaud, 75, quem tem a ligação mais próxima com a política. Doutora em Ciência da Educação pela Universidad Evangélica del Paraguay (UEP), já ocupou diversos cargos políticos na área. Foi secretária de Educação da Prefeitura de Boa Vista na gestão de 1997 a 2001; e do governo do Estado, no mandato de 2004 a 2007. Foi também vice-reitora da Universidade Estadual de Roraima (Uerr), de 2007 a 2015.

Tanto a passagem pela prefeitura quanto pelo governo do Estado se deram em gestões do ex-governador roraimense Ottomar Pinto (1931-2007), a quem Ilma Xaud era ligada – ela foi coordenadora do comitê de campanha de Pinto em 2002.

Pernambucano de Petrolina (PE), Pinto era militar de carreira e governou Roraima três vezes, a primeira delas como interventor da ditadura militar, de 1979 a 1983. Hoje, uma estátua dele adorna o gramado em frente ao Palácio Senador Hélio Campos, sede do governo estadual.

Ilma Xaud chegou a ser acusada pelo Ministério Público de Contas do Estado de ter assinado, em 2010, um pagamento de R$ 4 milhões para a compra de uniformes escolares com base em um contrato que teria sido superfaturado. Na época, ela alegou ter autorizado o desembolso de boa-fé: o pagamento foi feito após a Justiça de Roraima declarar a regularidade do contrato.

Em 2015, foi multada em R$ 2,8 mil pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) por ter atrasado salários de funcionários terceirizados da Uerr, na época em que foi vice-reitora. A multa atingiu a ela e o então reitor, José Hamilton Gondim da Silva. A reportagem procurou Ilma por meio da assessoria de imprensa da CBF, mas não houve resposta.

O próprio Samir Xaud não está longe da política: nas últimas eleições gerais, em 2022, concorreu a deputado federal pelo MDB, partido ao qual está filiado até hoje, com o apoio do ex-senador Romero Jucá. Teve 4.816 votos e não se elegeu. Terminou como primeiro suplente da coligação emedebista.

“Sou próximo do Zeca, e dele [Samir]. Ele é uma pessoa amiga. A gente sempre esteve no mesmo lado político. É um gestor, uma pessoa experiente, apesar da juventude, e muito equilibrado, muito tranquilo. É uma boa figura”, disse Jucá ao Estadão. Mesmo fora da política, o impacto de Jucá no Estado é visível. O principal ginásio de Boa Vista se chama “Romerão”, em homenagem ao pai do ex-senador, Romero Regueira Jucá (1931-2000).

O senador diz que sempre manteve uma boa relação com a família Xaud, mesmo quando ele e o grupo de Ottomar Pinto disputaram.

“O pai [Zeca] sempre votou em mim, sempre foi um aliado”, diz Jucá, que hoje tem uma firma de consultoria de “inteligência governamental” em Brasília, chamada Blue Solution – o nome faz alusão ao carpete azul do Senado.

Em 2018, Samir também concorreu. Disputou uma vaga de deputado estadual pelo Partido Verde (PV), mas teve apenas 2.069 votos. Toda a chapa do PV foi considerada “inapta” pela Justiça Eleitoral naquele pleito.

No comando “informal” da Federação Roraimense a partir de 2023, Samir se aproximou de outras figuras da política. Uma delas é a deputada federal Helena Lima (MDB-RR), mais conhecida como Helena da Asatur. No ano passado, a empresa de ônibus da família comprou os “naming rights” do campeonato local, que se chamou “Campeonato Roraimense Asatur 2024”.

Tanto a firma quanto o gabinete de Helena na Câmara patrocinam um dos times locais, o Grêmio Atlético Sampaio, o GAS. Coincidentemente, o GAS levou o “Roraimão” no ano passado. A Asatur também apoia outros clubes, como o Atlético Roraima.

No Instagram, a deputada declarou apoio a Xaud. “Capacidade que vem do Norte”, escreveu ela. “Um nome técnico, competente e que representa a força do Norte do Brasil. Roraima e todo o país merecem uma gestão séria, transparente e capaz no comando do futebol brasileiro”, escreveu.

Dono de academia e ‘tombo’ de R$ 80 mil

Atualmente, Samir Xaud tem uma carreira empresarial em Boa Vista. Desde 2023, é dono de uma das principais academias da cidade, chamada Core Centro de Treinamento. Ao lado, funciona o galpão do Nauru Crossfit, com sacos de pancada, barras, anilhas e cordas pendentes do teto.

O nome é emprestado de uma ilha na Oceania, distante 14 mil km de Boa Vista. Já o crossfit é um regime de treinamento criado na Califórnia no começo dos anos 2000. Ao lado do complexo da academia e do galpão, Samir tem uma clínica de medicina esportiva que leva seu nome. Em julho de 2023, ele se tornou um instrutor certificado de crossfit.

Além de Samir e de Mike Arouche, é sócio do negócio um militar da Força Aérea Brasileira (FAB), André Arruda da Costa. Segundo Arouche, a mensalidade relativamente alta (R$ 189) foi pensada para garantir um ambiente mais tranquilo. Mesmo assim, hoje são pouco mais de mil alunos.

Por meio da clínica, Xaud patrocina alguns dos times do Estado. A marca da clínica estampa as camisas do Náutico Roraima; do Atlético Progresso Clube (APC); e do Atlético Rio Negro Clube. Nos registros da Receita Federal, a firma aparece como tendo sido fundada em março de 2021, com capital social de R$ 443 mil. Os donos são Samir e sua mãe, Ilma.

O centro de treinamento de Crossfit não é a primeira incursão de Samir no mundo das academias. Em 2013, ele foi processado por uma bombeira militar aposentada, Márcia Liny Barbosa, por deixar de pagar R$ 80 mil devidos pela compra de equipamentos de academia – Xaud pagou só a primeira parcela, de R$ 50 mil, em valores da época.

Samir Xaud, por sua vez, disse não ter pagado a parcela porque Márcia não cumpriu a obrigação de alugar o imóvel comercial onde estavam os equipamentos – e onde ele montaria uma academia. Em 2017, o juiz do caso entendeu que os contratos de compra e venda e de locação estavam interligados e que, ao rescindir antecipadamente o contrato de locação, Márcia impediu Xaud de cumprir sua parte. O caso foi arquivado sem que fosse constatada má-fé de Xaud.

A reportagem do Estadão entrou em contato com a CBF e com o próprio Samir, por mensagem de texto, para comentários. Nem a entidade nem o médico retornaram as mensagens.

Com informações de André Shalders/Estadão

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